Eu, tu, ele. Nós.


*Trilha sonora do post: Orfanato - Panorama*


O Eu sozinho andava descalço e de pés cansados por uma vida árida e seca. Parecia que a sua história estava destinada a pedras e chão duro, destes de terra batida e de um tom marrom escuro, onde nada seria capaz de germinar - nem flor, nem folha, nem esperança de que fosse ficar melhor. O Eu se abraçava em noites frias, tentando aquecer pedaços da memória e resgatar fantasias e ilusões de uma felicidade que nunca tinha sido realmente vivida. Esgotado como estava, havia dias em que chorava só pelo prazer de sentir algo além daquele enorme e vasto tédio e desinteresse, como se o mundo não tivesse mais encantamento suficiente para desapertar o nó do coração.

E o Eu percorreu quilômetros adiante porque, mesmo cansado e ofegante, ainda tinha seu pequeno pedaço de esperança e sua infantil ingenuidade de que o mundo era grande e lhe traria uma surpresa em papel de presente brilhante. E essa jornada tão solitária acabou lhe construindo uma personalidade meio esquisita, mas que antes de tudo, queria ser perfeita.

E assim que, tropeçando, o Eu encontra um Tu, um Ele. Eram silenciosos e chegaram com cuidado, pois havia se tornado arisco depois de tanto tempo solitário. No começo da caminhada, andavam à frente, atrás, ao lado mas não perto, adiante mas não longe, como que para o Eu acostumar-se que seu mundo estava sendo povoado novamente, e não haveria motivo para assustar-se. Mas assustou-se. Porque é difícil resolver abrir um coração que fechou-se tão confortavelmente - a solidão dói mas é um lugar seguro, no final das contas.

As poucos, Tu deixa de ser uma pedra no chão seco. Tu deixa de incomodar com a sombra que projeta. E começa a ficar mais ao lado. E começa a perguntar. E das perguntas surgem conversas. E das conversas surge abertura. 
Aos poucos, Ele deixa de ser um estranho. Ele deixa de ser uma forma na distância. Ele pega na mão e deixa. E diz sim. 

E quando o Eu percebe, já é um Nós.
E o Nós é o melhor sujeito que jamais haverá no mundo, porque é o Nós que mantém o coração vivo, a imaginação aberta e que torna a felicidade algo possível. Não importa que verbo o acompanhe, porque em Nós qualquer ação parece real, bonita e válida. É no Nós que se constrói a vida como ela deve ser. 

E, então, o Eu ganhou sapatos confortáveis, sem nunca esquecer das bolhas que calejaram seus pés. As marcas são como lembretes de um passado que não deve ser repetido, e de um futuro a ser construído. Eu, Tu, ele: nós construímos.

1 Comments

  1. Algumas pessoas deveriam dar mais crédito ao Nós do que à aquele lugar seguro.

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